quinta-feira, 18 de março de 2010



O discurso de Marina Silva é um ‘convite’ à reflexão

Candidata à presidência a bordo do minúsculo PV, Marina Silva injetou no debate sucessório o tema mais relevante já abordado até agora: a governabilidade.
Marina diz que, se fosse eleita, promoveria um “realinhamento histórico”. Governaria "com os melhores do PSDB e os melhores do PT".
Para ela, "enquanto o PT e o PSDB não conversarem, vai ficar muito difícil assegurar uma governabilidade”.
Corta para o ano de 1978. Fervilhava uma atmosfera de abertura política, conduzida pelo genral Ernesto Geisel.
Na região do ABC paulista, a cena sindical era sacudida por líder irrequieto: Lula. Era um Lula diferente do atual, sem engajamento partidário.
O Lula de então espantava os líderes políticos tradicionais com seus desafios às estruturas ideológicas convencionais.
Naquele mesmo ano, um professor universitário de verniz esquerdista foi convencido a disputar uma cadeira no Senado: Fernando Henrique Cardoso.
Deu-se numa reunião na casa do amigo José Gregori. Presentes, Francisco Weffort, Plínio de Arruda Sampaio e Almino Afonso, ex-ministro de João Goulart.
Após duas horas, FHC topou ir às urnas. Precisou da ajuda do amigo Flávio Bierrenbach para descobrir onde funcionava o MDB, partido ao qual se filiaria.
FHC obteve 1,27 milhão de votos. Não foi eleito. Mas tornou-se uma novidade da política. Na campanha, fora cortejado por artistas e intelectuais.
Melhor: o professor construíra uma ponte entre a academia e o universo sindical comandado por Lula.
A despeito da ojeriza que nutria por políticos, Lula atuara como cabo-eleitoral de FHC na porta das fábricas.
Um dos coordenadores de boca-de-urna de FHC era um estudante de pós-graduação de economia: Aloizio Mercadante.
Corta para 1992. Sob Fernando Collor, o Brasil se preparava para um plebiscito. O eleitor decidiria entre o presidencialismo e o parlamentarismo.
Lula foi ao apartamento de FHC, no bairro paulistano de Higienópolis. Presente, além do anfitrião, Tasso Jereissati, então presidente do PSDB.
A trinca pôs-se a discutir os rumos plebiscito que poderia converter o Brasil numa nação parlamentarista já em abril do ano seguinte.
Decidiu-se que Lula e Tasso correriam o país em defesa da causa parlamentarista. Iriam às universidades e aos sindicatos. Visitariam os donos de jornais.
Fizeram segredo da segunda parte do plano: as viagens serviriam para preparar o terreno da sucessão presidencial seguinte.
O PSDB apoiaria a candidatura de Lula. Indicaria o vice. Juntos, PT e PSDB negociariam o nome do primeiro-ministro. Lula e FHC pareciam, então, fadados a fazer política juntos.
Na memória de Lula, estava fresca a imagem do tucanato no seu palanque, no segundo turno da sucessão de 1989, que perdera para Collor.
Na cabeça de FHC, permaneciam intactos os ideais do professor de 1978, que animara o líder sindical a fazer campanha para ele nas fábricas.
Retorne-se a Marina Silva e à cena de 2010: “Devíamos ser capazes de estabelecer uma governabilidade básica, onde o PT e o PSDB digam: 'Naquilo que é essencial para o Brasil, nós não vamos colocar em risco a governabilidade'. O Brasil é maior que essas picuinhas".
Difícil ignorar a verdade escondida atrás das considerações da candidata do PV. Escravos das picuinhas, tucanos e petistas tornaram-se inimigos irreconciliáveis.
Somando-se os dois mandatos de FHC ao par de gestões de Lula, PSDB e PT governam o país há 16 anos.
Naquilo que realmente importa, a gestão da economia, Lula manteve o que FHC iniciara. Preservou-se a estabilidade que permitiu ao Brasil dar um salto.Porém, a pretexto de assegurar a “governabilidade”, ambos ligaram-se ao que há de mais arcaico na política. Produziram escândalos em série.
Hoje, PSDB e PT dedicam-se a esfregar na cara um do outro as perversões que nutriram durante anos. Lula covida ao plebiscito: “Nós contra eles”.
Em artigo, FHC aceita o desafio. Mas parece mais empenhado em desqualificar a candidata oficial: “Boneca de ventríloquo”, “autoritária”, etc.
A julgar pelas pesquisas, o Brasil será presidido, a partir de 2011, por um tucano, José Serra. Ou por uma petista, Dilma Rousseff.
O “realinhamento histórico” de que fala Marina Silva tornou-se coisa utópica, irrealizável. Arma-se a continução da gincana de lama. Cedo ou tarde virá um novo mensalão.


- Em tempo: Ilustração via O Povo Online.
- Texto do site movimentomarinasilva.org.br

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